Se alguém chegar ao distrito de Matinha e perguntar onde pode encontrar Apolinária das Virgens Oliveira é bem provável que ninguém saiba responder. Mas é só falar o apelido que qualquer morador sabe informar o endereço de Chica do Pandeiro. A matriarca de 76 anos de idade mantém vivo, junto com os filhos, o projeto de samba da Quixabeira. O nome vem do lugar onde ela vive, em uma espécie de condomínio familiar, ao lado da sede da Associação Cultural Coleirinho da Bahia, o mentor do grupo de samba Quixabeira da Matinha, que já chegou até na Europa.
Dona Chica não só toca, como ensina a tocar pandeiro, uma paixão de uma vida inteira. Compenetrada em tudo o que faz e diz, ela explica que o nome Quixabeira vem de uma planta resistente do sertão, da caatinga, debaixo da qual se retira adubo, “no cabo da enxada, na foice e na picareta”, conforme diz.
“Mais do que um grupo, somos um movimento”, define, com orgulho, lembrando que um dos primeiros trabalhos foi intitulado “Da Quixabeira pro berço do rio”. Uma viagem e tanto, para quem foi para a escola “de água e sal”, ou seja, sem um documento sequer. Carregando na lembrança momentos inesquecíveis, Dona Chica cita uma viagem a São Paulo, no ano passado, e visita à Casa de Cultura Santa Tereza, a apresentação em um quilombo, na cidade de Arataca, e a ida “dos meninos” à Europa.
Mas grande parte de sua memória é concentrada mesmo no companheiro Marcos Gonçalves dos Santos, conhecido como “Coleirinho”, falecido há 18 anos, com quem dividiu a vida, os cinco filhos – quatro homens e uma mulher – e, principalmente, o amor pelo samba, que herdou do pai, Aureliano Sambador.
Ela também participa do grupo Mestras do Samba, São nove mulheres de várias cidades, dentre as quais Feira de Santana, Irará, Arembepe e Conceição do Almeida.
“Enquanto eu aguentar estarei no samba”, garante Dona Chica, que se orgulha de outro dom: costura desde menina, principalmente roupas de festas da cultura popular, como quadrilhas juninas. E se o assunto é comemoração, as informações estão todas na cabeça: 25 de novembro, Dia do Samba de Roda; 2 de dezembro, Dia do Samba; e agora em abril, de 18 a 21, a Micareta de Feira. Nesse mês há ainda uma viagem programada para o Panamá.
“Eu acho que inspiro as pessoas, porque muita gente diz que no samba que não estou com o meu pandeiro faço falta”, comenta, abrindo um parêntese para dizer que compõe a Quixabeira da Matinha junto com os filhos Guda Moreno e Zezé do Tamborim, mais Aline (reco reco) e Andreia (sambista). E aproveita para citar os netos, quando um deles, Thaylor, chega em casa, durante a entrevista, e os bisnetos. Nesse momento, Dona Chica volta a falar de Coleirinho e do pai como fontes de inspiração. “Me deram o que sou”, afirma, ressaltando que na vida nada acontece por acaso.
Mulher de fé, em Deus, pela proteção, e na Virgem Maria, que passa na frente das dificuldades, Dona Chica tem uma estratégia para manter a alegria de viver: “As coisas ruins a gente esquece, só é preciso lembrar as boas”. E tem dado certo, tanto que não se arrepende de nada, desde que “abraçou” o pandeiro, a sua maior alegria. Dona Chica já não viaja sem acompanhante e não samba, mas continue firme no instrumento por meio do qual construiu a própria história, apesar das dores que há algum tempo sente nas mãos. “Quando a cãimbra vem, eu dou um ‘migué’”, diz, às gargalhadas.
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