Primeira transexual feirense lê manifesto LGBTQIA na Câmara: “Nenhum de nós escolhe ser quem é; nascemos!”
25 de novembro de 2021
Representante do segmento LGBTQIA , a transexual Rafaela Maria fez a leitura de um contundente manifesto, nesta quinta, na Tribuna Livre da Câmara de Feira de Santana. Aos 54 anos de idade, ela diz sentir-se “mãe” dessa comunidade, por ser a primeira cidadã transexual no município. “Jesus não colocou ninguém de lado, acolheu a todos andou com todos”, observa. A seguir, trechos do pronunciamento, no plenário da Casa da Cidadania:
“Sou uma mulher transexual e recentemente completei 54 anos de sobrevivência. Não estou aqui para brigar, afrontar, ofender ninguém. Estou aqui para contar minha experiência de vida, mostrar como o discurso de ódio pode destruir a vida de uma pessoa. Discursos de ódio matam pessoas iguais a mim, fazem com que pessoas iguais a mim se matem. Faz 54 anos que estou sobrevivendo no Brasil, nação que mais mata pessoas transexuais no mundo. Nossa expectativa de sobrevida neste país é de 35 anos. Eu vi muitas amigas morrerem. Algumas tiraram a vida por desespero, outras assassinadas de forma cruel. Poucas morreram de causas naturais.
Costumo dizer que as pessoas transexuais sobrevivem. Tive que passar por tudo que as transexuais sofrem para entender o porquê de tantas histórias iguais, mortes iguais. Fui humilhada, excluída, isolada, desprezada, roubada, traída, traficada, vendida, estuprada. Levei pauladas. Fui silenciada, injustiçada, engolí muita coisa calada. Apanhei, aprendi a bater, brigar, me defender. Chorei calada, suportei a dor e assim construí a mulher transexual que sou. Nenhum de nós escolhe ser quem é. Não ‘viramos’, não optamos, não nos transformamos. Nascemos! Não temos escolha de ideologia. Não escolheríamos uma vida de sofrimento, de exclusão, de dedos apontados em nossa cara, só por achar bonito, legal.
Continuaremos resistindo e existindo. Não é errado ser como somos. Não é crime ser quem somos. Não é pecado ser o que somos. Errado, crime, pecado, é negar nossa existência, subtrair nossos direitos, nos matar, violentar, excluir, isolar, desprezar, minimizar a importância de nossas vidas, tratar como se não fôssemos nada. Nossas vidas importam, sim. Somos filhos de Deus, a quem amamos incondicionalmente. Não somos melhores, nem piores que ninguém. Temos sentimentos, rimos, choramos, amamos, somos amadas. Sofremos, sentimos dores, decepções. Ficamos tristes iguais a qualquer um. Somos humanos, iguais a todos. Merecemos respeito, carinho dignidade, oportunidade de inclusão, empatia, direitos.
Estamos no mundo para construir, fazer parte da história. Não estamos aqui para passar despercebidas, desprezadas, excluídas. Nossas vidas vão além das calçadas e das madrugadas. Muitas pessoas não sobreviveriam uma semana, vivendo nossas vidas, enfrentando o que somos obrigadas a enfrentar. Sim, somos sobreviventes. Merecemos respeito. Eu sou orgulhosa da história boa quer construí de vida. Fui menina moça, mulher e hoje sou uma senhora.
Me aceito como sou, porque fui assim que Deus me fez. A sexualidade é minha, não é coletiva. Eu não permito que ninguém discuta a minha sexualidade, não dou direito a ninguém de opinar sobre isso. Nós não perseguimos, não incitamos ódio. Jesus não colocou ninguém de lado, acolheu a todos andou com todos. Eu sou a mulher transexual mais velha de Feira de Santana. Me considero mãe de todos os travestis, trans, gays, todas as pessoas representadas na sigla LGBTQIA . Me considero mãe de todas elas e uma mãe é por seus filhos, os protege e os acolhe”.